
Em sua origem, o homo sapiens subsistia da coleta e da caça. Cada bando humano precisava de uma área extensa para sobreviver, pois a maioria das folhas não nos era comestível e os animais nos escapavam ― porque nosso estômago não digere celulose e, como predadores, somos lentos e fracos.
Quando a comida local escasseava, a tribo precisava invadir áreas vizinhas que, eventualmente, pertenciam ao domínio de outro bando. Guerreavam. Embora somente os guerreiros lutassem, o restante da comunidade ficava na maior torcida porque o resultado afetava todos. Guerreiros e torcida vencedores gozariam a fartura do território aumentado e a tribo derrotada seria exterminada ou escravizada, inclusive aqueles que não participavam diretamente da luta, como velhos, mulheres e crianças.
É esse instinto primitivo que governa a paixão do torcedor por um clube de futebol, paixão que pode levá-lo ao desatino e a violência, embora, hoje, sua sobrevivência já não seja mais ameaçada pela sorte do time que o representa.
Assim como não é permitido ao animal mudar de bando, nem ao selvagem mudar de tribo a seu bel prazer, é vergonhoso mudar de time. O torcedor faz a escolha na juventude e permanece fiel por toda vida. Depois, se o clube for pessimamente administrado, se jogar mal e perder mais do que ganhar, a paixão se encarregará de fazê-lo ver qualidade onde abundam os defeitos. E, quando a coisa for muito mal, atribuir a culpa aos outros, ao árbitro, por exemplo.
No pais do futebol, essa paixão chegou à política. O PT cresceu seduzindo a juventude pregando um socialismo ideal que, com vontade política e honestidade, daria igualdade material e poder aos excluídos. Décadas fora do governo, sem que seu discurso pudesse ser confrontado pela realidade, deram ao partido uma das maiores torcidas do Brasil, talvez até mais numerosa e apaixonada que a do Flamengo.
Todo partido tem seus simpatizantes, mas apenas o PT conseguiu angariar uma massa significativa de torcedores. Tenho amigos que são PT “doentes”. O amor deles pelo partido não diminue com o insucesso de políticas públicas, nem quando surgem suspeitas de corrupção e enriquecimento ilícito de dirigentes e familiares. É paixão típica de torcedor.
Estou convicto de que, se o campeão brasileiro de futebol fosse escolhido democraticamente, em turno único, o Flamengo seria campeão todos os anos. E, se esta análise estiver correta, faça bom ou mal governo, é provável ― não é "certo" porque as eleições majoritárias são em dois turnos ― que o PT permaneça muito tempo no poder.
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