terça-feira, 23 de abril de 2013

JUSTIÇA OU VINGANÇA?

O mais primitivo senso de justiça é a vingança: quem faz o mal deve sofrer para que não reincida e para que sua punição desestimule o próximo a se portar mal.

O sentimento de vingança é legítimo para a vítima e para os que a amam, mas não para o Estado civilizado. No entanto, a Justiça ainda guarda muito de vingança.

A sociedade brasileira é reconhecidamente negligente com a segurança. Aqui no Rio de Janeiro onde a Operação Lei Seca é feita à noite, no almoço, as pessoas bebem e saem dirigindo como sempre fizeram e na revista Veja desta semana, pag. 106, um executivo chinês comenta sobre o Brasil: O ambiente de trabalho e a qualidade de vida são melhores que na China. O único ponto fraco é a segurança.

Nos dias seguintes à tragédia de Santa Maria, a onda fiscalizatória que varreu o Brasil flagrou centenas de estabelecimentos públicos e privados cometendo negligências semelhantes às investigadas no sul. E por que os responsáveis por esses outros fatos provavelmente não serão julgados pelo risco de matar que assumiram? Porque não houve o acaso que transforma o risco em tragédia.

A condenação “exemplar” dos responsáveis pelo ocorrido conforta os familiares, os amigos das vítimas e o público em geral, mas é ineficaz. Eficaz seria condenar o risco de matar, antes que as mortes acontecessem.

Pelas notícias da imprensa, parece-me que a tragédia na boate Kiss se deu muito mais pela falta de cultura de segurança do brasileiro do que por dolo.  Os empresários haviam reformado a boate para aumentar o conforto do público, o que leva a crer que não foi por economia que deixaram de atender normas de segurança. E a banda Gurizada Fandangueira não era uma Rolling Stones milionária que por ganância comprou fogos mais baratos inapropriados para o uso em ambientes fechados. Eram trabalhadores humildes que às vezes cantavam a noite por, se não me falha a memória, cachês de 80 reais. Economizaram nos fogos porque eram pobres e tinham o hábito de economizar.

O sentimento humano de vingança exige punição proporcional ao dano, embora, para combater a causa e não o efeito, seja mais eficaz punir em função do risco de dano assumido. O que, de tão incomum, chega a ser bizarro:

Suponha que um indivíduo dispare um sinalizador náutico num estádio de futebol que passe a centímetros da cabeça de um torcedor sem outra consequência que o susto. Agora suponha que alguém faça o mesmo, mas que, por azar, o projétil atinja a cabeça do torcedor, matando-o. São comportamentos iguais produzindo resultados diferentes. Uma Justiça que punisse em função do risco de dano assumido teria que aplicar a mesma pena aos dois fogueteiros.

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